Tinha oito anos e cabelos tão encaracolados quanto os
pensamentos: cachos espiralados que davam nós quando ventava muito e, de vez em
quando, se esticavam até a ponta dos dedos; os cílios eram longos demais para
os olhos pequenos, tão pequenos que desapareciam na brancura imaculada e pueril
que era a face de Sofia. Não gostava de usar sapatos e se equilibrava descalça
pelo meio-fio todas as manhãs, abrindo os braços em desengonço, como se pudesse
abraçar o sol que estava para nascer. Assoviava óperas para os passarinhos e
ria sozinha quando desafinava (e ela sempre desafinava!). Nunca comia
chocolate, gostava mesmo era de brócolis! Quando não tinha ninguém olhando,
construía bosques de brócolis, como se estes fossem árvores pequeninas, só para
devorá-los depois. Não dava a mão para ninguém quando precisava atravessar as
ruas e só abraçava seus livros. Sorria
apenas quando tinha de escovar os dentes e fugia de seu quarto na calada da
noite para sentar no jardim e conversar com as estrelas. Sofia era feliz.
Seu único mal era pensar demais. A cada novo segundo
que tiquetaqueava no relógio da cozinha, um novo pensamento em espiral surgia
em sua cabeça, ensimesmado, enrolado, confuso... E frio. Mas tão frio...! Sofia
machucava as pontas dos dedos quando resolvia esticá-los e quando lhe
perguntavam o que havia acontecido, ela apenas passava as mãozinhas pelos
cabelos, como se fosse óbvia a resposta e não valesse o trabalho de tecê-la à
língua. Quando achava que valia a pena, desenrolava tanto as espirais que já
não as cabiam mais nas palmas das mãos. Corria logo para o quarto para buscar seu
lápis carmim, e riscava o papel com tanto desespero que surgiam bolhas nas
mãos. As ideias chegavam a se aquecer por uns segundos, mas logo que as
palavras adormeciam, a frieza voltava. E, se
alguém tocasse naquele pedaço de papel, também machucaria a ponta dos dedos...
E Sofia gritaria. Um grito que o silêncio trataria de
engolir.
Pois aquele papel rabiscado de carmim, Sofia chamava de alma.
"Pois aquele papel rabiscado de carmim, Sofia chamava de alma."
ResponderExcluirEmocionei, muito.
Sabe aquele texto que toca lá no fundo, que te faz rir de leve e ao mesmo tempo dá um aperto no peito? Foi assim comigo quando li esse.