- sabe, eu vi aquele filme esses dias atrás e fiquei pensando...
- no quê?
- que é engraçado. a gente nunca sabe o que é real. afinal, o que é
ser real...?
- que papo mais maluco... como assim?
- olha pra gente. nós somos reais? eu posso te tocar, olha. posso te
ver, te cheirar, te ouvir... isso faz de você real?
- pois sim, como não faria?
- ah, não sei. para pra pensar: existe um monte de pessoas vivendo do
outro lado do planeta, pessoas que eu nunca toquei, nunca vi, nunca ouvi. elas
não são reais, então?
- claro que são! você agora é a medida para todas as coisas?
- ora, se não eu, quem é? a gente só vive no mundo através dos nossos
sentidos. o que me garante que meus sentidos não me enganam? agora mesmo, essa
conversa pode ter acontecido semana passada e meus sentidos só estão repetindo
ela pra mim. eu posso agora mesmo estar sentado na minha varanda tomando chá
mate, e achando que estou aqui com você. como é que vou saber?
- ah, para, não viaja. você nem é uma pessoa de verdade. você só é um
amontoado de palavras num diálogo. nem letra maiúscula nós temos. acho bom você
ficar aí na sua e parar de questionar.
- mas agora mesmo tem alguém lendo a gente.
- oxe, e daí?
- e daí que aposto que agora temos um rosto. um corpo. uma voz, um
cheiro, um olhar, um par de sapatos e uma roupa bonita. nós somos menos reais
só porque estamos existindo dentro da cabeça de alguém? afinal, não é todo
mundo que existe dentro da cabeça de alguém? é com os meus olhos que eu vejo o
mundo.
- eu acho é que você tá ficando biruta.
- ah, você não entende. vai continuar repetindo as mesmas palavras sempre,
exatamente as mesmas. você não tem poder de escolha porque tá acorrentado.
- que mané acorrentado!
- então vai lá, diz alguma coisa diferente, quebra o ciclo. faz seu próprio
destino. quero ver.
- eu não, tou bem assim. mas você pode tentar aí.
- e eu vou mesmo. vou escrever minha própria história. você tem papel?
- tenho, aqui ó.
- ih, mas esse já tem coisa escrita.
- ué!
- é, olha, o texto começa assim: “- sabe, eu vi aquele filme esses
dias atrás e fiquei pensando...”
Nenhum comentário:
Postar um comentário