Pode ser que o barco vire. Também pode ser que não.
Semicerrou os
olhos ao deslizar a ponta dos dedos pelo copo de não-sei-o-quê. Tocara-o nos
lábios uma dezena de vezes e agora estavam secos; os lábios e o copo. Apoiou-se
na bancada para conseguir sorrir de vertigem.
- Cê tá bem?
- Tou, é só...
Era só o quê? Era só e ponto. Estavam só, e só. Pode
isso? Ficar só e ficar com outra pessoa ao mesmo tempo? Vai saber. Bastava que
ficasse incompleto, que reticenciasse por aí. Não queria saber explicar e, de
fato, não sabia. Agora que parou para pensar... A ideia de não saber não
incomodava, como sempre fazia. Era só fechar os olhos e ouvir o coração batendo
para acreditar que fosse verdade. Talvez não fosse, mas o coração batia de
qualquer forma.
- E afinal, o que é que eu tou fazendo aqui, hein?
- Eu é que sei?
Olhou em volta e sentiu-se estranhamente à vontade.
Nunca ficava à vontade. Talvez conhecesse aquele azulejo no tom de azul mais
feio que já vira de outras vidas. E aqueles olhos, no tom de azul mais bonito
que já vira? Lembrava-se dessa vida mesmo. Como um prenúncio do
não-saber-onde-colocar-a-mão que certamente se seguiria. E do medo de deixar-se
cair demais. Pendurar-se-ia naqueles cabelos e escalaria para cima até, mais uma
vez, alcançar-se: no topo de outrem. A lasca perdida de seu coração guardada
debaixo daquela língua.
Aproximou-se de si. E, dos dois lados, espiralou
pelo ar aquele cheiro de "você" que ninguém mais tinha.
A cabeça pendeu à guisa de pergunta que jamais se
enunciou.
- O que cê tá fazendo?
Os lábios se tocaram à guisa de resposta.
- Eu tou voltando pra casa.
"Era só o quê? Era só e ponto. Estavam só, e só."
ResponderExcluirahn, que lindo isso, o paragrafo todo, na verdade.
"aquele cheiro de "você" que ninguém mais tinha."
"Os lábios se tocaram à guisa de resposta.
- Eu tou voltando pra casa."
que lindo, coisongo. *-*
Adorei a linguagem que você usou. E own, também devia fazer algo pro valentine's day. haha.