À meia luz os olhos dela são menos tristes. Os
lábios rubros que se abrem, se contorcem e se envergam jamais sorriem, são
meras linhas que desgrudam e se tocam num átimo para falar de amor. Tocaria a
ponta dos dedos pútridos no lóbulo da orelha direita, como que para mostrar a
bijuteria barata que ainda brilhava a essa hora da madrugava, estrela (de)cadente
– mas querendo mesmo dizer que mais vale ouvir o silêncio porque ele não mente –
tocaria se dedos pútridos ainda houvesse. O silêncio não mais agarra por trás e
arranha sua cintura qual o tango taciturno da noite passada. Borrifaria, então,
as últimas gotas do perfume que escorrem pelo espelho por entre os seios para
tapear o cheiro dos sonhos mortos que carrega dentro de si há muito, e riria ao
lembrar de que cada boca que a beijara levara um pouco daquela morte, e que em
pouco aqueles dentes também apodreceriam e então restaria ali a poesia do que
nunca existiu, enterrados sem nome ou epitáfio. Aqui jaz, e só. Jazia há muito.
Talvez até pentearia os cabelos, que foram tranças, foram nada. E deixaria que
a escova caísse no chão só para ter que se mover e sentir o calor vívido da brisa
que entra pela janela despretensiosamente entreaberta, cheirando a álcool e
tabaco. E fitaria fundo os olhos no espelho até que visse a própria alma,
refugiada nos recônditos calejados de sua pífia existência. Num instante
ralharia consigo, perguntando o que diabos se tornara, o que diabos fizera com
a vida. E cada célula que ainda vivesse
amontoada sobre seus sonhos abriria os olhos, e elas se entreolhariam
desacreditadas – é isso mesmo que estou entendendo? Ela prometeria a si mesma
que amanhã mesmo trataria de ser feliz. E as lágrimas que escorreriam de seus
olhos seriam também felizes. E assim que o sol entrasse por aquela maldita
janela entreaberta e viesse tocar a brancura de sua pele, ela encheria os
pulmões do ar de um novo dia e, enfim, viveria.
Viveria, se o coração que batia, batesse para
levar o sangue por entre o seu corpo, e não por sobre a penteadeira.
viveria
se o coração
ainda
bat
ess
e