9 de ago. de 2012

Casmurrice.


ou soneto inacabado.

Olhou-me e eu mal notei, cosido ao avesso dos meus olhos, cinza – pecado que por si só já me renderia arrependimento suficiente pra uns catorze versos. Sorte a minha, Feeló cutucou-me e eu os vi: oblíquos e dissimulados. Não de ressaca, mas de festa (tornar-se-iam Capitu quando as luzes se apagassem, mas não digo com certeza) feito sorriso demais para caber nos lábios finos.
Não durou mais que um segundo, mas escondi-me detrás de um ponteiro incauto e o fiz maior. Tempo o suficiente, apenas, para tornar palpável a efemeridade que espetou em mim junto com os olhos. Pediria ajuda à noite se ela já estivesse ali. Havia duas ou três janelas, bem verdade, mas também não ousei pedir ajuda aos vaga-lumes. Compreenda: o soneto é tão inacabado quanto inacabável, e assim o é para que a eternidade trate de preencher as lacunas.
Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!... Ganha-se a vida, perde-se a batalha.
Mas ainda que seus olhos nada me dissessem e de mais nada me servissem, eu os usaria de marca-páginas: da próxima vez, continuo de onde parei. 

5 de ago. de 2012

Quando Feeló Quis Gritar.



O silêncio a engolia. Tapava-lhe os olhos com a escuridão que cheirava a brócolis. Era assim, noite após noite. Mal se importava com o céu estrelado que sorria para ela, ou com a brisa gélida que vinha só para despentear-lhe os cabelos demasiadamente curtos. Queria mesmo era lançar um grito desumano... Mas não sabia ao certo se queria ser escutada. Mal adiantava colocar as meias de lã e fugir em desengonço para o quintal, porque antes mesmo do pôr-do-sol, as mãos de Sofia lhe cobririam a boca. E ela não lutaria. Não lutaria porque não tinha certeza se queria ser escutada; se flertar com o silêncio lhe fazia, de todo, mal.

Até que, na noite mais fria que encontrou, ela olhou para cima. E viu logo um velho papel outrora maculado de carmim. E, assim que as pontas de seus dedos quentes encontraram a superfície fria do papel, Feeló gritou.

E seu grito carmim cortou o frio de uma madrugada qualquer. (Ou de todas elas).

E Feeló sentiu, enfim.